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quinta-feira, 12 de agosto de 2010


Desvairada Memória




Nunca compreendi os homens. Nem mesmo a mim que do qual, tento fazer juiz ao sexo. Confundi tudo como uma lição mal-assimilada, sem refletir, sem prestar atenção, falhei em quase tudo, ou pelo menos estava dentro das expectativas de fracassos aos olhos alheios e venenosos. Era bufão, Pierrô Guloso, Superam um príncipe Charles, o primeiro aquele que consegue tudo, a perola de fogo na água fria, insensível aos sofrimentos provocados pelos amores contundentes, arrasador e impiedoso e açucarado dos patéticos e perversos demônios do meio-dia, belo e tonto como ninguém, primeiro eu, mas feliz; vazio e feliz.


Agora vivo recuando, apavorado por deixar as terras mornas e tranqüilas da adolescência, tenho ainda na boca o gosto de morango daqueles tempos  e o travo agridoce das lagrimas infinitas. Fecho os olhos e creio reencontra a maciez angorá de minha avó, o nariz enterrado em seu suéter, na nevoa rosa do abajur que dava a meu quarto a cor de bom-bom levemente acido. Era a época da baunilha, do chocolate e dos vinhos baratos, do dente que se perde, dos camundongos na dispensa, das balas e do cheirinho de flor das geléias em potes de vidro rotulados à mão. As horas se escovam então como uma majestosa lentidão, desfiados por um grande relógio, cor de cobre com variados desenhos de pássaros, que luzia na penumbra das tardes de inverno, em que se fechavam os postigos para aprisionar o fresco, e sem dúvida a mim também, que elanguenscia na maciez de um sofá estampando e velho.
Fé é algo que se têm quando não tem nada, e naqueles tempos eu possuía tudo. Contudo demorei um século para ter uma maturidade de dezanove anos, montanha de sensações secas inseridas num “diário” intimo, com desenhos de árvores secas e petrificadas no verso da capa, (no momento era  o que me representava) as lembranças correm atrás de mim e me alcançam assim que fico só. Uma palavra uma música, e eu olho por cima do ombro. Algumas vezes a evocação de um nome estrangeiro e misterioso me inquieta e ameaça a insuportável certeza do já vivido, que perturba durante algumas horas, o jogo de paciência lânguido que se tornou minha vida, atravesso minhas crises de Spleen com o desespero de um marujo que combate a tempestade, e me encontro sem cesar na casa da minha infância.Onde os objetos, que têm uma alma, esperam a minha volta. Meu primeiro urso de pelúcia ainda usa seu colete de um tecido de tafetá engomado, os camundongos, ainda galopam na despensa, o sininho do portão toca quando sopra o vento, os pássaros afiam o bico na calha das telhas velhas cor de musgo, as folhas continuem molhadas pelo orvalho da madrugada; nada se deterá jamais , a não ser eu, a quem esquecem assim que vou, passageiro em trânsito. A conexão foi anunciada, não há tempo para desfazer as malas e voltar.

Preciso ir agora as lembranças custam-me muito às palavras e o sono, vêem me convidar a ir com ele  e de imediato não me recuso, preciso me abster de palavras antigas para fazer novos vocabulários. Tomado da inconsciência das palavras debruço de sono.

Até logo...




“Com a idade a gente
dá pra repetir certas histórias, não é demência senil, é
por que certas histórias não param de acontecer em nós até o fim da vida”.

Do livro:: Leite DerramadoChico Buarque



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