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quarta-feira, 20 de outubro de 2010



                        
                             Galeria do meu ser 



Tudo passa tudo cansa, tudo é nojento. Naquele tempo, eu dizia a meus discípulos: “tomai todos e comei este é meu corpo”. Eu virava as páginas de minha “bíblia”, uma agenda velha coberta de sagradas escrituras, nomes e números de telefones levados pelo vento, seqüências curtas e repetitivas que deixam o coração ranzinza, como as manhãs frias em que agente se encolhe sob as cobertas sem ousar abrir os olhos. Eu detestava meus companheiros de noite, eram gritos perdidos, partidas sem saudades. Em outrora, bastava levar-me a uma praia branca, com palmeiras e tudo, para obter de mim tudo o que eu podia dar: uma espécie de paixão favorecida pelas condições climáticas, a balbúrdia ou a confusão local e a ausência de outra distração a não ser o sol de dia e o amor de noite. As voltas de carro eram fúnebres, as malas cheias de roupas e de lembranças de pacotilha. Era só dar até- breve, que queria dizer adeus, que meu bronzeado de aparência quase fulo, virava cinza sob a chuva do ponto de táxis. O fim de uma aventura, mesmo a mais vagabunda, é uma corrida contra o relógio, quem ganha é sempre aquele que parte primeiro; mas eu, o idiota, sempre fico uma horinha a mais e perco, porque o outro malvado, terá tido tempo de me dizer vá embora, e começa tudo de novo. A fuga vergonhosa com as malas entulhadas de lembranças em desordem, o canto da partida, a busca do refúgio, a espera, a interminável espera. Eu espreitava o transeunte retardatário, o olhar que implora um sorriso, a prova de que eu existia ainda para todos esses homens impassíveis, odiosos, para todos esses caras que eu queria conhecer juntos, para ir mais depressa, para perder menos tempo, para encontrar. Tentei tudo. Perambulei ao longo das vitrinas sofisticadas das avenidas burguesas. Visitei os museus e as exposições. Tomei o ônibus nas horas vazias. Sentei-me no terraço das cervejarias renomadas. Freqüentei os salões de arte e de estréias. Os cinemas. Eu tinha o fôlego de um caçador na abertura da temporada de caça. Ao menor alerta acentuava em meu nariz meus óculos de professor, que desenhava meu rosto em uma simetria espantosa deixando recear meus lábios acetinados ao vir um sorriso mais comovente. Eu tinha necessidade de amar. Estava pronto para tudo teria dado minha vida por um só, mas foram todos os outros que vieram. Os calados, os educados de mais que se giravam ao meu redor, os insidiosos que se sentavam à minha mesa, secando-me sem doçura. Eles me ensinaram que um homem disponível se prostitui; ele espera o cliente sabendo que devéra dar muito par receber em troca uma magra ternura.
A falta de cerimônia era revoltante.
Dirigiam-se a mim como uma criança frágil, avaliando com um olhar cúpido o que podia eu esconder. Indagavam-se sobre a minha musculação recém feita avaliavam a firmeza do meu sexo. Eu deslizava sobre esses ataques, impudico, oferecido e revoltado, recolhia meu saco de ilusões, saia bem depressa, longe da multidão ameaçada que pulava a minha volta. Acuado na solidão por minhas recusas hesitantes, isolado por minha sublime procura do absoluto, arrastava-me lentamente da cidade dos ruídos. Ficava encerrado em meu quarto que cheirava a incenso de jasmim, e ma acariciava durante horas, tenso, doloroso, atento a suscitar o orgasmo inaudito que quebraria minha obsessão como um vagalhão. Seguia a ronda das horas na ronda das sombras que corriam no teto. Com as ancas dobradas sobre a beira da cama, com a, cabeça perdida em minhas almofadas encarniçava-me sobre meu corpo. Conhecia-lhe a menor fraqueza e me esmerava em me atormentar cruelmente até o limite do suportável, esfregava o interior de minhas coxas, até sentir na ponta dos dedos o calor de meu sexo. Embriagava-me com ele, aspirando com volúpia seus aromas adocicados, esse sabor pesado e tenaz que impregnava meus dedos, essência de flores malvas e rosadas, óleo teimoso que caia gota a gota nos lençóis bordados onde me enfiava para chorar de felicidade.
Essa dupla buscar de amor e de mim foi uma obsessão durante anos.
Habituara-me a me masturbar havia tanto tempo que esse ato se tornava uma função indispensável, uma necessidade de tão profunda que nem pensava mais em resistir-lhe. Sentia uma vontade enorme de tocar meu corpo, e era preciso que eu satisfizesse essa necessidade no mesmo instante. Desabotoava minha camisa e deslizava com emoção a mão por meu corpo, ou então através de minha calça, apoiava imperceptivelmente os dedos unidos sobre meu sexo, e atingia, por este apalpamento tão natural, a mesma perturbação que teria provocado à posse de uma mão estranha.
Estava apaixonado por mim. À noite, protelava o máximo possível o instante em que cederia a mim mesmo. Lutava para controlar os impulsos do prazer que tentava meu corpo arqueado quase que simetricamente. Tinha astúcias que me fazia estremecer roçamentos intermináveis, arranhadura de uma unha no ponto sensível, torcia os membros para dar e meu corpo posições ultrajantes, abria-me até sentir a dor sem poder admirar o que eu assim oferecia. Exagerava em meu espírito delirante o impudor de meu abandono, o fulgor da fonte que escorria em minhas pernas e mãos.
Minhas fantasias liberavam grandes planos insuportáveis aos quais não conseguia resistir. Agarrava-me com as duas mãos e conduzia-me à entrega, receando a violência do orgasmo que me deixaria aniquilado e pálido.
Isolava-me cada dia mais nessa necessidade de mim, esse período foi o mais calmo de minha existência, pois eu nunca me decepcionava.
 Mais foi durante um desses retiros carnais que o encontrei...   
                  

                 
 "Quem tentar possuir uma flor, verá sua beleza murchando. Mas quem apenas olhar uma flor num campo, permanecerá para sempre com ela. Você nunca será minha e por isso terei você para sempre".

Paulo Coelho